sexta-feira, 26 de setembro de 2008

DESENHOS ANIMADOS E ESTORIAS INFANTIS: Sua importância na educação de crianças.


 


 

Um pequeno paciente me disse um dia que ao ver desenhos animados sua cabeça brincava e coisas aconteciam ,mesmo as proibidas .Achei curiosa a forma desta criança me comunicar uma idéia há muito conhecida dos psicoterapeutas de crianças ou seja a de que através das imagens dos desenhos animados podemos experimentar muitas coisas ,sob uma situação controlada , a sala de TV. Os desenhos assim como os contos de fadas trazem á cena temas universais importantes para estruturar a psique infantil e é por esta razão que elas adoram vê-los ou escutá-las com freqüência e riqueza de detalhes.

Os primeiros registros de temas infantis contados datam a mais de vinte cinco mil anos e permanecem ainda hoje inalterados . No século XVlll surge então um interesse cientifico em estudar as razões pelas quais a mente humana cria estórias fabulosas e as transmite de geração em geração.Milhares de contos em suas variadas versões giram em torno de assuntos de significado simbólico profundo que servirão de base para o desenvolvimento da criança humana. A capacidade de fantasiar e de usar a imaginação é um atributo e uma conquista do desenvolvimento.

Ver desenhos pede mais desenhos e assim uma estória puxando outra, as crianças como que pressentem a importância das imagens para os desafios que certamente viverão. Então tem sempre o inimigo, o escuro ,a noite , o dragão e o herói, a ameaça , a força ou sua falta , a espera , a incubação , o enigma , as charadas , a morte ,a vitoria , o anjo salvador e outros. Desenhos que abordem estas questões fortalecem o ego infantil ,fornecem exemplos de respostas ás situações ,oferecem saídas aos impasses , sugerem gestos que os pequenos imitam não somente em termos físicos mas em seu sentido intrínseco. Sua repetição colabora na elaboração de um significado e é preciso que tenhamos paciência e estejamos á disposição deste amadurecer.

Podemos ajudar uma criança com medo do escuro a entender o que se passa com ela na ausência de luz usando estórias ou desenhos animados ,tornando o estranho familiar e assim retirando dele seu poder assustador. Aceza a luz da compreensão o monstro se desmaterializa.

Aliás esta é uma atitude que não desaparece em nós , o temor ou a surpresa diante do estranho , a necessidade de sermos apresentados aos nossos novos elementos e aceitá-los em nossa comunidade psicológica.

Em consultório sou muito perguntada pelo pais sobre como ajudarem seus filhos na resolução de dificuldades freqüentes na infância tais como o medo do escuro , das perdas , das separações , das inferioridades físicas , um novo irmão , a morte etc... Sugiro com freqüência filmes ,desenhos animados e livros de estorias ,encontrados hoje fácilmente. Há series divididas por faixa etária ou por temas , muito bons.

Sugiro também que apresentem ás crianças produções de outras culturas a exemplo do belíssimo KIRIKU E A FEITICEIRA , uma co-produção franco-belga(DVD), elogiado por adultos e crianças . Nascido numa aldeia do Senegal , Kiriku era zombado por todos por ser pequeno. Desde o seu nascimento o menino demonstra grande coragem e esperteza que o levam a querer saber os porquês das relações entre as coisas , inclusive a dominação da bruxa Karabá.

Do encontro com um sábio(sempre tem um!) Kirikú conhece a ferida de Karabá , liberta-a do sofrimento e cresce. Antes de se casarem e serem felizes para sempre devem juntos realizar uma tarefa importante : desfazer o preconceito quanto ao pequeno enxerido e a bruxa malvada . Vale a pena assisti-lo pelo conteúdo e pela bela trilha sonora , além é claro de aproveitarem a oportunidade para conversar com as crianças sobre o que a estória conta.

Nossas MENINAS SUPERPODEROSAS ,POKENMONS , SHREK e até mesmo as estórias do PATETA estão plenas de mensagens curiosas ,divertidas e muito verdadeiras que interessam muito ás nossas crianças.Quantos de nós não se encontra num episodio genial de Pateta ,um pacato cidadão cortês com os vizinhos , protetor das crianças e dos velhinhos , que se transforma num monstro assassino ao tirar seu carro da garagem e ganhar as ruas de Patópolis a vociferar e transgredir normas de convívio ? Tragicômico e antológica produção Disney, sempre muito atual .

Mesmo quando a preocupação é com o conteúdo agressivo de alguns desenhos sugiro aos pais que observem como a crianças é tocada por este temas . Se fica perturbada ou se entra na briga ,na luta ,torna-se um pouco o personagem para logo depois abandonar a estória e tranquilamente ir brincar de outra coisa. Aqui não há por que generalizar e sim observar caso a caso , levando em conta a faixa etária.

Crianças são tocadas por imagens e nós adultos certamente aprenderíamos muito sobre nossa alma se pudéssemos nos entregar como elas ao mundo da imaginação suscitado pelos desenhos animados.


 

Denise Mondejar Molino.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Sanidade e Loucura


 


 

O conceito de sanidade é pouco pesquisado.Há tratados sobre a loucura ;há grandes personagens loucos como o rei Lear em Shakespeare mas personagens sãos não obtem destaque , nem aparecem em poemas ,títulos de obras ou até mesmo em piadas .Nossa cultura teme a loucura e nutre por ela um surdo fascínio , colocando-a como prerrogativa dos artistas em sua exuberante criatividade.

Louco Para Ser Normal é o novo livro do psicanalista inglês Adam Phillips , editado pela Zahar , autor do excelente Beijo,Cócegas e Tédio , que de forma clara e original nos mostra quão delicado é o equilíbrio entre sanidade e loucura e da necessidade de definições mais adequadas á modernidade. Trabalhando com conceitos históricos e literários , busca na psiquiatria de R. Laing , Melanie Klein e D. Winnicott e na biologia de R. Dawkins , alguns parâmetros e comparações para depois adentrar na ficção de Shakespeare e Geoge Orwell.

Phillips aproxima a loucura do nosso cotidiano através do exame da vida inicial dos bebês , da crise da adolescência , nas caracteristicas do desejo sexual , e na relação com o dinheiro , apresentando notas sobre a definição de sanidade . Através de três diagnósticos psiquiátricos ,o encapsulamento no autismo infantil , a esquizofrenia e a questão da vitalidade e da auto-estima na depressão faz paralelos e comparações entre os dois conceitos. Podemos então refletir sobre a loucura como confusão , agressividade ou frustração demais , como desenvolvimento defeituoso , como espera insuportável e como falta de esperança. A sanidade , podemos pensá-la como violação de tabus , como consciência tolerável de nossos limites , como vitalidade preservada , como fé e até como sorte por ter nascido com quantidades certas de emoções para não odiar o desejo nem nosso corpo ,nem o querer .

No capitulo sobre o dinheiro passeia pelos estragos produzidos pela cultura ao estabelecer como amá-lo e como este amor nos leva para longe dos valores que prezamos .

Ao final propõe a sanidade como capacidade de suportar as tensões das experiências , nas diferentes escolhas que fazemos , no reconhecimento da s implicações éticas dos atos , na consideração dos efeitos devastadores da humilhação e sobre a importância da esperança.

Com arte ,profundidade e graça A.Phillips surpreende pelas provocações que faz ao nosso pensar, áquilo que tomamos como certo em nosso saber . A surpresa e o inédito , fonte de tantas ameaças ás posições cristalizadas encontra neste novo volume um grande aliado.


 

Denise M. Molino .


 


 

Psicoterapia: Surpresa e liberdade de ser.

Ao longo de quase trinta anos de carreira acompanho pessoas a reconstruir suas vidas,a se sentirem mais á vontade com seu cotidiano cheio de desafios e frustrações.Todos,inclusive os terapeutas,passam por momentos de duvida,apreensão ,solidão e medo,portanto,somos todos parceiros de uma caminhada,cada qual com sua peculiaridade ,que se assenta num pano de fundo comum ,a pulsação da vida.

Terapeutas experientes sabem que não somente os conhecimentos teóricos fornecem o substrato necessário para se lidar com as questões humanas que são o cotidiano nos consultório de psicoterapia.A pessoa do psicoterapeuta ,suas escolhas e crenças,seus amigos,seus amores,obrigações,sua fé,aliados á sua formação o preparam para o desafio de estabelecer com seu paciente uma relação suficientemente dinâmica,espontânea e de consideração incondicional . Há tanto o que se cuidar num relacionamento terapêutico,tantos fluxos não previstos que não há como padronizar ou empacotar a psicoterapia em formulas fixas na tentativa de tornar o processo mais controlado e previsível.Isto não é possível ;não há sequencia prescrita ou "exercício"definidos a cada semana se desejamos que a psique nos fale a seu modo e se respeitamos o ritmo de cada paciente que temos a frente.

Nesse sentido a psicoterapia foge ás tentativas de limitar cronologicamente sua duração,esse tempo que é linear e que tem pouco ou nada a ver com tempo psíquico ou com os limites e regras do seguro-saúde.Nossa mente escapa ,nos prega peças,surpreende médicos e analistas.

Um de meus mestres ,Jung dizia da importância a ser dada a singularidade do mundo interno das pessoas,sugerindo que o terapeuta deveria se empenhar em criar seu próprio método,adaptando-o a cada paciente.Propunha ainda que a personalidade do psicoterapeuta e a relação estabelecida com seus clientes era o fator determinante de cura e transformação.Outro mestre querido,Dr. Petho Sandor,quando orientava observação cuidadosa dos ritmos corporais lembrava que a remoção dos obstaculos ,as tensões musculares,respiratórias e de postura permitiriam a reorganização necessária ao paciente ,sempre que regado a muita atenção e interesse aos detalhes das conversas nas sessões.Dar atenção e ensinar a te-la com os aspectos de nossa vida pessoal costuma trazer muito conforto e é peça chave do trabalho pois particulariza cada encontro.Esta idéia está na base dos projetos de humanização do atendimento clinico em hospitais e outras instituições .

Ao longo de uma terapia ocorrem grandes e pequenas respostas ás questões que espontaneamete o paciente faz ao terapeuta .Um novato pode ficar preocupado em como responder á isso ,de deve ou não fazê-lo;a técnica e seus mandamentos vem á baila como referencia e apoio.Mas é preciso ir além e confiar no gesto natural e isto só se faz com a experiência,com vida vivida,gostando de estar com gente,aberto ao sofrimento. O processo psicoterápico é tão artesanal que para alguns uma pequena correção nas atitudes basta,para outros é necessário uma profunda retrospecção e ver o quê do passado ainda não passou.


 


 

Questões desvendadas aqui e agora ajudam a dar significado a toda uma historia pregressa.

Vejam ,por exemplo,o crescimento dos casos de depressão e pânico nos consultório.Temos como entorno uma sociedade atual mimada,espetacular,condenada á felicidade sem fim,superabastecida até o estupor.No entanto os indivíduos estão tristes,angustiados e deprimidos e mais do que consolo precisam ter sua dor reconhecida ,de preferência na companhia de um terapeuta interessado e paciente que possa ajudar a suportar as tensões da existência. Isto não se faz com programas breves. Mesmo a vasta e preciosa medicação psiquiátrica pede do médico consideração criteriosa e individualizada de modo a minorar o desconforto e ainda assim permitir que o processo de descoberta de si mesmo possa ocorrer.

Caminhamos no sentido da individualização,da especificidade e da subjetivação.Padronização serve ás leis gerais mas a vida nossa de cada dia pula fora da caixa e nos surpreende.


 


 

Denise M.Molino é psicoterapeuta junguiana e coordenadora de grupos de estudos e supervisão.Atende em seus consultórios em S. Paulo e Jundiaí.

e-mail: dmmolino@hotmail.com


 

SER TERAPEUTA


 

Ser terapeuta é entregar-se á escuta e o acolhimento das necessidades,das dores e ao crescimento humanos.Quando somos muito jovens e inexperientes, queremos curar tudo e muito rápido.Depois ,mais maduros percebemos mais claramente os limites de nossa atuação e os dos pacientes.Há prazer pela evolução das pessoas e também pelo efeito multiplicador que isto causa ,ou seja:quando alguém se organiza melhor e suporta as tensões do viver,os outros ao seu redor também recebem essa influencia saudável.

A auto-observação e a formação são continuas e árduas porém sem examinar a si mesmo é impossível auxiliar alguém a se conhecer em profundidade.Isto quer dizer procurar o próprio desenvolvimento ao longo da vida ,que precisa ser vivida para além dos conhecimentos teóricos.Tanto Sigmund Freud quanto Carl Jung,contemporâneos aliás,eram defensores fervorosos da análise pessoal de quem se aventurasse a desvendar a alma humana.Alertavam para a virulência ao qual o psicoterapeuta está exposto em seu trabalho cotidiano com o inconsciente.

Terapeutas guardam segredos e preservam a sensibilidade,compartilhando experiências nunca antes reveladas.Privilégio nosso, pois somos estimulados por esses segredos,capazes de despertar impulsos muitas vezes relegados a um segundo plano em nossas vidas. Terapeutas oferecem um lugar físico e também um lugar psíquico onde pessoas possam morar enquanto as transformações não chegam.

È possível experimentar uma grande satisfação ao vermos alguém abrir suas janelas internas,descobrindo novas possibilidades assim como suportar com pacientes o fardo de suas angustias,duvidas e energia estagnada.Cada paciente é um desafio,uma oportunidade e se a terapia funciona ,ambos ,paciente e terapeuta, crescem.

Além de uma vida pessoal rica em relações ,a formação de um terapeuta é realizada nos bancos acadêmicos ou ,mais informalmente ,porém sem perda da profundidade nas supervisões e grupos e estudos onde também aprendemos a ouvir nosso colegas,sua visão particular e original ,fonte de todo e qualquer respeito pelas diferenças.

Em Jundiaí temos escolas de Psicologia competentes mas ainda temos um trajeto a ser percorrido no sentido de oferecer ás pessoas que aspiram por esta profissão o leque amplo de possibilidades teórico-praticas existente.O desejo de ser um psicoterapeuta corresponde a necessidades muito profundas de conexão e expressividade cuja função e finalidade requerem um concencioso e libertário encaminhamento.